quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Internação compulsória. É isso que queremos?

A lei brasileira já permitia a internação compulsória (obrigatória) de menores de idade usuários de crack. Em São Paulo, já fazem dois dias que iniciou a internação compulsória de adultos usuários de crack. No Rio de Janeiro, anunciou-se, ainda há pouco, que a mesma medida, através de lei, poderá entrar em vigor em abril. Mas é isso que queremos?

Eu quero! Eu aplaudo! Eu incentivo! Vamos tirar estes indesejáveis das ruas! Vamos tirar essa gente feia, fedida, anti-higiênica e agressiva da rua! Vamos tirar esses homens, mulheres e crianças que nada produzem para a sociedade da rua! Vamos limpá-los! Vamos reeducá-los! Vamos deixá-los longe de nossas vistas enquanto são uma sub-raça humana! Caramba: sou nazista!!!

Sou um nazista anti-crack! O que está acontecendo? Sou judeu! Como posso me tornar nazista? Posso vir a ser nazista se concordar com isso tudo e me calar. Então em altas e boas caixas: EU NÃO CONCORDO! EU NÃO ACEITO INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA!

Eu... eu não vou ser nazista p…nenhuma! E aconselho você a pensar no seu papel na sociedade neste momento.

Lembro-me de uns 10 anos atrás quando escrevi pela primeira vez sobre o crack e fui execrado, taxado de idiota. Afinal, como é que uma droga vagabunda e barata daquela poderia devastar a sociedade? Há 10 anos já se via isso nos Estados Unidos (que não conseguiu resolver), no México e na Colômbia (que também não conseguiram). Em termos de drogas e favelas é só olharmos a Colômbia, pois estamos sempre 10 anos atrás, até nas UPPs, incluído aí o teleférico do alemão, que foi um conceito adotado pela Colômbia para as favelas dela. Há 10 anos atrás os meus leitores achavam que uma droga de 1 real, era menos perigosa que uma de 10 reais. Ah... que engano terrível vocês tiveram né?

Hoje, nos preocupamos com cracolândias e cracudos, mas apenas se estão em nosso caminho. A medida em que a prefeitura do Rio agiu nas linhas férreas os cracudos foram parar o Caju e Parque União, misturados com os veículos da Avenida Brasil. Agora que a prefeitura age na Av Brasil os cracudos em bandos entenderam que estão mais protegidos em Copacabana. Nosso direito de ir e vir livremente é de fato ameaçado pelos cracudos, seja em ações violentas de furtos e pequenos roubos, seja na intimidação pelo Real que lhes dará mais uma dose, seja em vandalismo gratuito como arremesso de pedras contra carros e se posicionar fisicamente na frente dos veículos impedindo nosso "ir", podendo nos tornar criminosos, caso atropelemos um cracudo, principalmente se for criança.

A democracia não possui nenhuma ferramenta capaz de lidar com a situação. Somente regimes ditatoriais à direita ou à esquerda é que podem, com amparo consciente de seus seguidores, através de leis ou apenas de ações de força, remover cracudos da face da terra ou, pelo menos, das vistas de todos.

Nossa democracia partiu para a legalidade. Criou lei para a internação compulsória. Por esta lei, já em vigor em SP, o maior de idade que for "apreendido", pois "preso" é muito politicamente incorreto, já que não comete crime algum - senão era só prender logo todos - será avaliado por uma junta composta de psicólogo, psiquiatra, assistente social, médico e advogado, que estão lá, pagos por nós, para fazer este exame em nosso nome e declarar o cracudo um elemento antissocial, um ser pouco humano (já que lhe faltam fisicamente milhares de neurônios destruídos pela droga), que deverá ser internado para "tratamento".

Leve-se em conta, que não há tratamento. Não há desintoxicação para crack. Especialistas falam que para um criança são dois anos de internação e "talvez" dê certo. Para adultos, encontramos um lacônico, "muito mais tempo." Então, o ser inumano será internado por lei durante quanto tempo e exatamente para quê?

E onde? Onde será internado? Hoje, ouvi no rádio que em princípio pretende-se levá-los para hospitais municipais!!! Ora... Existe merda maior que essa para o Estado fazer? Com o caos que já existe nestes serviços horríveis, teremos agora uma horda de zumbis cracudos e agressivos, controlados por agentes internadores e guardas municipais nestes mesmos lugares? Valha-me, senhor... Que estes prefeitos assistam uns episódios de "The Walking Dead" para entender o que é "trazer os cracudos para o convívio social forçado", note bem, trazer os cracudos para onde estamos, ao invés de afastar. De qualquer modo, esta passagem pelos hospitais municipais que só não acontecerá se a sociedade gritar e gritar bem alto, vai ser temporária. Então, para onde irão os caracudos?

Não serão colocados em prisões. Isto está muito claro. Não serão colocados, obviamente em clínicas particulares, hotéis fazenda ou spas de emagrecimento. Resta-nos, e a eles, um termo que me custa a escrever e prefiro enrolar por mais algumas palavras. Eles serão concentrados em instalações próprias criadas para a proteção deles mesmos, criadas para nossa proteção das ações perversas deles aqui fora, criadas para a reeducação e salvação deles. Só tem um nome: campo de concentração.

E é por isso que eu não vou ser nazista. Não vou aceitar que no Brasil democrático uma nova lei passada a pedido de uma prefeitura de SP (diga-se PT) crie campos de concentração para cidadãos brasileiros que uma junta médica defina que "precisam ser protegidos". Já vimos isso! Apesar do comunismo ser o criador dos campos de concentração e não os nazistas, essa é a marca que ficou.

Como estudioso do nazismo eu sei, e qualquer pessoa bem informada sobre o assunto sabe que nenhuma das ações contra os judeus durante todo o período maior que engloba o Holocausto foi feita sem que houvesse uma lei aprovada em vigor que permitisse tais ações. Nenhuma ação do Estado Nazista, inclusive chacinas, fuzilamentos sumários, execuções brutais, extermínio por gás, extermínio por transporte torturante e inadequada, pela fome, nada disso aconteceu sem o amparo de uma lei.

Todos os atributos que descrevi lá em cima como características do indesejável zumbi cracudo, foram usadas na Alemanha para descrever o indesejável judeu errante.

As pessoas não acreditam que as coisas podem de fato mudar de um dia para outro numa democracia, por lei. Vemos agora mesmo o presidente Obama, recém empossado baixando o equivalente a decretos-lei que não passam pelo congresso, contra os usuários e proprietários de armas nos EUA que hoje, vivem uma realidade Legal diferente da que havia na sexta-feira passada. Ele não se elegeu com esta plataforma. Não são apenas os republicanos que tem armas... As coisas mudam e mudam rápido. Num piscar de olhos, ainda mais quando líderes democráticos contam com a alienação político-social de seus povos, como nos EUA e no Brasil. Na Argentina, pelo menos batem panelas na rua.

Se nós, cidadãos brasileiros, dermos ao governo o direito de nos classificar em desejáveis e indesejáveis por junta médica, por medida administrativa, nós iremos trilhar um caminho que leva direto ao inferno, mas só para quem o Estado considerar indesejável.

O pastor Martin Niemöller escreveu o que você leu várias vezes: "Quando os nazistas levaram os comunistas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era comunista. Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era social-democrata. Quando eles levaram os sindicalistas, eu não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista. Quando levaram os judeus, eu não protestei, porque, afinal, eu não era judeu. Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse"

ESTÃO LEVANDO OS CRACUDOS. EU NÃO SOU CRACUDO E NÃO VOU ME CALAR!

Tem solução diferente? Numa democracia, parece que não. Num regime de exceção teria sim, mas seria pior. Então, no fim das contas eu serei parte de uma sociedade que era especificamente democrática até domingo passado e terá caráter nazista a partir de agora. É provável que outros estados e prefeituras sigam o "exemplo" de SP e do RJ. Não foi minha decisão, não foi sua decisão. Decidiram por nós, sem nos consultar. Pense em seu papel individual na sociedade. Torça para que o Estado não defina outros tipos de seres humanos como indesejáveis, pois você poderá estar numa nova categoria, englobada por uma nova lei.

Faltou algo no texto, Zé! Dá a entender que crack nasce em árvores ou surge espalhado nas sarjetas cracolantes! E os traficantes? Amigo... A lei da internação compulsória não tem nada a ver com traficantes, apenas com cracudos usuários. Estamos num cenário prestes a ter aprovadas leis que permitirão o porte de drogas em quantidade de consumo onde poderemos assistir algo surreal, mas nada surpreendente. As pessoas poderão portar cocaína, maconha, ecstasi etc, menos crack. Teremos drogas liberadas e drogas proibidas de portar. Ué, mas isso não existe hoje em dia? Claro que existe! Na verdade temos drogas lícitas e drogas ilícitas. Estes são os termos certos e é a lei, o momento social que define o que é uma e o que é outra. Qual tem tarja preta, qual precisa de receita, e qual te leva em cana. Produzir, importar, transportar e vender continuará a ser crime, usar não é crime, menos o crack, que continuará sua trajetória terrível na sociedade. A toda hora temos notícias de apreensões de drogas. Há 30 anos falava-se em gramas, há 20 anos falava-se em quilos. Nos últimos anos se fala em toneladas. Isso só quer dizer uma coisa, o consumo se multiplica e a oferta acompanha. Governo comemora dezenas de milhões saindo da linha de pobreza? Os grandes traficantes também comemoram.

José Roitberg - jornalista