segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Região Serrana - números grandes, tragédia pequena

Eu tenho casa na região de Correas há mais de 25 anos e a cada semana que viajo para lá acompanho o horror premeditado que ainda não se abateu sobre a região.

Com o perdão dos que não acham, mas 600 ou 650 mortos TÁ POUCO!!! É uma mini-tragédia! Não é o armagedon aquático que ainda há de se abater por aqueles vales.

A cada semana sobem mais "casas" nas encostas. Começou na saída de Petrópolis e de Correas e hoje são quilômetros de bairros interligados, com infraestrutura, supermercados, linhas de ônibus. Tudo montado nas vertentes inclinadíssimas. Se antes eram barracos hoje são casas. São casas que foram crescendo e há pequenos prédios, tudo feito por pedreiro, mestre de obras e "especialistas". Engenheiro nunca passou perto. Cálculo estrutural é uma imbecilidade e não precisa dele para construir nada, tanto que está tudo construído, né?

Como ficam de pé? Sei lá. Muitos não ficaram.

Mas ainda não foi nesse imenso vale do rio Piabanha que tudo desmoronou. Curiosamente, Correas que é o entroncamento do Piabanha com o outro rio que vem de Teresópolis não encheu.

Vemos nestes rios todos e na TV as imagens terríveis de imóveis construídos não só na calha do rio (área que a água ocupa nas enchentes - há cidades inteiras nas calhas), mas no próprio leito. Muros de casas e prédios, pilastras de prédios enfiadas margens adentro, por vezes a título até de canalizar o rio, como se isso fosse possível.

Estas construções totalmente ilegais, imorais e imbecís foram destroçadas pelos rios. Então de quem é a culpa? Do sujeito sem instrução que não sabe o que é calha e leito? Do sujeito no poder da cidade, com ou sem instrução (provavelmente sem também) que não vê nada de errado nesta ocupação? Da Defesa Civil? Dos agrônomos e hidrólogos contratados para fazerem levantamentos que entregam o que lhes pediram e não alertam os moradores? 

Será que a culpa é apenas do morador? Será que a pessoa que ocupa um terreno que não é dela (calha e leito são do Estado), não paga impostos, não tem propriedade da terra, constrói sem ser importunada pelo poder público e depois morre por causa disso é um cidadão suicida? É um sujeito que anda com uma pistola d'água carregada contra a cabeça e acha que ela só vai molhar um pouco?

Nos anos 80 percorri muito o sertão e o interior do RJ, SP e MG. Cansei de ver vilas inteiras dentro de leitos de rios secos. Em algumas tive saco de parar e conversar. A história era a mesma: "o rio morreu", "nunca mais teve água" e, principalmente - "terra em leito de rio não tem dono, é só chegar e construir". Mas um dia a chuva vem e o rio temporário de deserto que ficou 30 ou 40 anos seco, se torna novamente o trajeto da água e leva a vida embora sertão abaixo. Fala-se que é tragédia.

E é. Tragédia do setor público, tragédia dos políticos ignorantes do interior, imagem e semelhança de seus eleitores, tragédia de uma visão divina em que vimos a mulher arrancada das águas clamando: "Primeiro foi Deus né! Depois foram eles dois que me tiraram de lá."

"Que Deus tenha orgulho do que eu fizer hoje", é parte da oração diária que os judeus fazem pela manhã. Que Deus tenha orgulho de cada um dos heróis destes dias terríveis no Rio.

José Roitberg - jornalista

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