segunda-feira, 14 de abril de 2008

Discurso Sem verbos

Mais espetacular e inusitado que o Discurso Sem a Letra A, abaixo, temos este Discurso Sem Verbos. Parece impossível escrever tanto um quanto outro, mas isso nos mostra que nós, jornalistas e escritores atuais não conhecemos nossa língua. Difunda este texto pois é especificamente desconhecido e feito por um clérigo que também acabou esquecido em nossa história. Os sermões dele deviam ser muito interessantes.

D. Antônio de Macedo Costa (Bahia, 1830-1891) estudou em Paris e doutorou-se em Roma. Teólogo notável, foi bispo no Pará e juntamente com D. Vital de Oliveira (bispo de Olinda) combateu a Maçonaria. Ambos foram presos e anistiados após um ano e meio.

José Roitberg - jornalista

DISCURSO SEM VERBOS
D. Antônio de Macedo Costa

Primeira regra de estilo, uma das principais e porventura a mais esquecida de todas: naturalidade por oposição a afetações ridículas.

Quanto no galarim da fama réu deste delito e quantos oradores, aliás dignos de encômios pelos dotes singulares de seu engenho e imaginação, responsáveis perante a crítica sisuda, pela falta de uma nobre simplicidade de estilo e boleio das frases.

Muita atenção, orador noviço, para este ponto capital.

Nada de ornatos supérfluos, apegados como parasitas ocos a cada palavra: miserável ouropel por cima de pensamentos muitas vezes ocos e sem solidez alguma, só para engano da vista de espíritos superficiais ou de mau gosto. Um brilho fosforescente e um deslumbramento passageiro, como o de um fogo de artifício, tal o único mérito desses campanudos oráculos do púlpito cristão.

Idéias porém sólidas e bem dosadas, ordem rigorosa de raciocínio, doutrinas exatas luculentamente expostas, isso nunca. Não assim Bossuet, os Bourdalouse, os Massilon e todos os outros grandes modelos da eloqüência do púlpito do grande século de Luís XIV.

Que nobre simplicidade! Que naturalidade sublime! Que opulenta sobriedade! Qual rio caudaloso por entre margens, ora severa e escarpadas, ora floridas e risonhas, mas sempre formosas de naturalidade, assim o pensamento desses famosos gênios, por entre a frase ora simples, ora mais ornada, sempre porém em relação com o assunto cheio de graças ingênuas, de louçainhas despretensiosas.

A cada um desses grandes gênios o seu merecimento próprio: a Bossuet sobretudo, em suas orações fúnebres, uma grandeza e majestade incomparáveis; ao nosso Vieira, apesar dos seus senões, uma sutileza, uma retentiva e uma fecundidade pasmosa; e assim os mais, cada qual com seus primores e as suas qualidades características, em todos porém a naturalidade e a simplicidade no seu último auge!

A frase sempre límpida, tersã, louçã; o estilo sempre acomodado ao pensamento, modestamente ataviado, sem arrebiques, sem enfeites pretensiosos e ridículos, sem todas essas lentejoulas tão em voga nas épocas de decadência literária.

Mas sobretudo no orador sagrado, no homem do Evangelho, no Ministro de Deus morto na Cruz, nada mais desairoso, em verdade, do que essas afetações de estilo! Ai! Onde aquele espírito dos varões apostólicos, onde aquela abnegação aos vãos ornatos da eloqüência do mundo?

Ministros do Altíssimo, culpados desta espécie de profanação da palavra santa! Desgraçados de vós por este abuso tão estranho dos dons de Deus e das graças do nosso divino ministério! Mas nem mais palavra! Sobre desvios como estes, só lágrimas e muitas lágrimas!"

Nenhum comentário: